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indicações geográficas

Indicações geográficas no Brasil: tem mas acabou

Análise da presença das organizações civis representantes das IGs na Internet

Este ensaio foi provocado pela minha participação no evento da FIRJAN, Diálogos Criativos, como convidada para a mesa redonda de debates. Neste dia falei sobre a importância do território, sua terra, seus produtos, seus paladares.

Também me impulsionou a vincular o canal do YouTube, coerenceig, à empresa coerence de forma a demonstrar um caminho de interesses, prazeres e gostos por onde eu navego.

Introdução

Pode-se enumerar muitas vantagens da internet para os negócios. Uma delas é a possibilidade em abrir um meio de comunicação direto com fornecedores e clientes através de um site institucional. Com a possibilidade do e-commerce, o mercado expandiu do âmbito local, para as fronteiras do país e em muitos casos até para o nível global.

A chegada das redes sociais no início do século XXI, teve um outro impacto significativo nos negócios. Com a crescente adoção de plataformas como Facebook, Instagram, Twitter e LinkedIn (para citar somente as mais populares), as empresas passaram a ter novas oportunidades para alcançar seu público-alvo de maneira mais direta e personalizada.

As Indicações geográficas (IG) foram estruturadas no Brasil no mesmo período. O modelo foi trazido pelos pesquisadores agropecuários da França que percebiam as grandes possibilidades de melhoria de produção e comércio para os produtores rurais e seus produtos artesanais.

Conceito simples

Basicamente, a IG é um espaço no qual produtores conseguem reconhecimento da qualidade dos seus produtos através da notoriedade e fama, para além das fronteiras do mercado local.

Uma região é reconhecida como única através do clima, aspectos do solo, matéria prima, modo produtivo, com os quais os produtores conseguem elevar a qualidade das características do sabor, cheiro, cor, tornando seus produtos sofisticados e apurados. (Saiba mais coerenceig; conceitos acadêmicos aqui, aqui , aqui).

Uma parte dessa notoriedade pode ser transcrita em documentos que comprovam sua origem e por isso podem ser protegidos por lei específica de propriedade intelectual (consulte aqui).

As primeiras IGs brasileiras foram reconhecidas pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) a partir de 2002, em locais de produção de vinho, café e queijo. Mais tarde, se expandiram para outros produtos e até mesmo serviços ao longo das duas últimas décadas.

Organizações civis

O modelo brasileiro, adaptado do francês, orienta que qualquer IG deve ser gerida por uma coletividade de produtores, formalizada em uma organização civil que será o substituto processual junto ao INPI. São associações, conselhos, fundações, institutos, entre outros. 

Se bem geridas, essas entidades podem auxiliar na promoção dos produtos da IG e podem também ajudar a vendê-los, seja através do seu site, seja por meio das redes sociais.

Desta forma, sabendo da importância dessas entidades coletivas, este ensaio buscou investigar a presença delas na Internet a fim de saber se elas estão cumprindo seu papel de gestora de negócios, comercialização dos produtos e valorização da IG.

70% das 106 IGs registradas no INPI estão na forma de associação

Sendo assim, esse ensaio adotará essa denominação para todos os tipos associativos.

Metodologia

A partir do artigo de Silva e Silva (2022), buscou-se ampliar a pesquisa para todas as IGs registradas. Os registros das IGs estão disponibilizados pelo INPI em formato PDF. A tabela final pode ser baixada em formato .xlsx, preencha o formulário aqui.

Durante as buscas pelos nomes das associações, foram capturados os links dos sites, quando havia. Em algumas páginas institucionais havia também os ícones para as redes sociais e desta forma, foram capturados também o endereço eletrônico. Para simplificar esse trabalho, optou-se por escolher somente um canal, Facebook ou Instagram.

Alguns sites contêm informação atualizada em seus canais de notícias ou blogs. Nas redes sociais, foi capturado o ano de criação das contas. Como não foi possível averiguar todas as atualizações, optou-se por somar um ponto a mais para as associações que trabalham com dois canais, sendo um deles atualizado.

As associações foram consideradas sem atividade quando os sites e redes sociais continham publicações com mais de um ano sem atualização.

A pontuação ficou definida dessa forma:

  1. Nota 3 – quando havia o site e a rede social, com um deles atualizado*
  2. Nota 2 – quando havia somente um canal (site ou rede social) e estava atualizado
  3. Nota 1 – quando havia a presença na internet do site OU da rede social, mas estavam desatualizados há mais de 1 ano
  4. Nota 0 – quando não se encontrou referência alguma da associação ou da IG na internet

*Essa pesquisa foi realizada na semana do dia 21 a 30 de agosto de 2023 e se limitou à primeira página de resultados de busca no Google.

O resultado zero foi para associações que não possuíam qualquer canal de comunicação nestes dois meios, site ou rede social, mesmo que houvesse notícias a respeito da associação em canais de comunicação de outras entidades.

A busca foi feita tanto pelos os nomes das associações, quanto pelo nome das IGs. Como ainda havia associações sem presença na Internet, foi feita a consulta dos CNPJs das associações junto ao site da Receita Federal. Os CNPJs foram extraídos da Ficha Técnica de Registro de Indicação Geográfica (FTR) do INPI (disponível aqui). Foram averiguados todos os que não havia presença na Internet ou que estava desatualizado.

Visualizações

Após o levantamento, filtrou-se as associações que estavam desativadas de alguma maneira e montou-se o mapa do Brasil com as categorias definidas de produtos por região. Para organizar a visualização deste trabalho, optou-se por classificar os produtos pela sua origem em 4 grandes categorias: terra, animal, mineral e serviço. 

O painel mostra a real condição das IGs no Brasil, em relação a atividade regular e presença online.

98 IGs e não 106


48% das IGs têm presença online com dados atualizados

De 98 IGs registradas e ativas, 52% das associações não têm presença na Internet ou quando tem, está desatualizada há mais de um ano. Esse é um número expressivo e demonstra falhas de gestão, de comunicação, de promoção e também de organização.

Tão importante estar presente na Internet, é a associação estar em dia com os órgãos de controle, fiscalização e junto aos entes federados.

A Associação dos Produtores de Leite e Queijo do Marajó registrou a IP Marajó em 23 de março de 2021 e seu registro junto a Receita Federal se encontra inapto a partir do dia 7 de junho de 2022. Ela não pode emitir notas fiscais, nem efetivar qualquer tipo de transação comercial; está passível de multas e penalidades, bloqueio de contas bancárias, entre outras penalidades.

A Cooperativa Ornapesca estava irregular junto ao Estado do Amazonas durante 13 anos e somente se regularizou em 2022. Ainda assim, tinha conseguido o registro da IG junto ao INPI em 2014. Segundo a reportagem, nem mesmo os produtores sabiam da irregularidade (leia aqui).

Por fim, uma outra situação pode ser levantada a respeito da Indicação de Procedência Porto Digital. Embora ela tenha uma presença forte online, com vários canais de comunicação atualizados, a IG é ignorada, pois sequer é citada no site institucional (leia mais aqui).

Tem mas acabou

Essa expressão é bastante utilizada por vendedores de lojas em Juiz de Fora (MG). É uma forma de convidar o consumidor a voltar em outro momento para comprar este ou outro produto similar. Tem mas acabou não significa necessariamente fim do produto.


Mas está acabando?

Esta é uma questão que as instituições de fomento precisariam buscar investigar.

Para além da emissão de certificações, seria necessário que o INPI estabelecesse algum tipo de controle rotineiro para obter um feedback das associações. Os órgãos de controle dos signos distintivos dos países europeus possuem forte atuação sobre as associações, o que ajuda os produtores a se organizarem mais efetivamente. Isso fortalece a IG como símbolo de qualidade e distinção protegidos por lei internacional.

Quanto aos órgãos de fomento, como o SEBRAE, seria importante investigar as causas de sucesso e levantar suas ações na gestão do negócio e da IG, a fim de auxiliar os produtores e as associações.

Análise de dados públicos

A análise de dados auxilia a entender efetivamente a situação de forma mais próxima da realidade. Sem dados abertos divulgados pelas instituições públicas, não se poderia ver a situação cadastral das associações responsáveis pela IG. Neste sentido, é essencial que os órgãos públicos organizem e mantenham os dados públicos de forma mais acessível e fácil de manipular. Esse procedimento é tão importante para os analistas de dados quanto para os pesquisadores.

Documentos como o FTR e as tabelas com as principais informações sobre as IGs estão separados em arquivos distintos e em formato PDF.

O Ministério da Agricultura e Pecuária disponibiliza um mapa das IGs, mas não disponibiliza dados públicos.

O site DataSebrae também não disponibiliza dados abertos para baixar ou consultar. Há evidências de informações desatualizadas, pois ainda mostra a IP São João Del Rei cujo CNPJ foi baixado em 2015. Os produtores podem estar ainda produzindo, no entanto, não mais pela sua entidade representativa da IG.

Em meio a tanta desinformação atual, instituições públicas relevantes no cenário nacional e internacional como essas, permanecem fortes a partir da sua comunicação atualizada e de seus dados abertos e verificáveis.

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