Este ensaio analisa como a rede da Educação Básica está estruturada em 8 cidades mineiras. Foram selecionados três aspectos da estrutura da educação: o índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB); a distribuição das redes de ensino e o regime trabalhista dos docentes. Esses três aspectos auxiliaram no entendimento dos problemas crônicos em que as cidades têm vivenciado. A Lei Nacional de Educação (PNE) trouxe o caminho ideal, mas até o presente momento, muitas das suas diretrizes ainda não foram implementadas. Ao fim, este ensaio propõe algumas saídas para auxiliar os municípios a implementarem a legislação.
Introdução
Foram usados dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), além de considerar a distribuição da rede de ensino e o regime trabalhista dos docentes.
Todos os dados foram extraídos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). As 8 cidades selecionadas são as mesmas de estudos anteriores, que podem ser acessados aqui e aqui.
É importante registrar que o IDEB 2021 não disponibilizou dados das escolas privadas no nível municipal. Dessa forma, o índice usado aqui se refere somente ao ensino público.
Os gráficos foram montados a partir da análise do IDEB e a taxa de participação dos municípios. O primeiro gráfico dispõe o IDEB e a rede de ensino e o segundo, o IDEB e o regime trabalhista, carga horária e média salarial dos docentes dos 8 municípios.
IDEB
Para evitar o aprofundamento em avaliações estritamente numéricas (por razões apontadas em documento publicado pelo INEP), optou-se por mostrar a taxa de participação dos municípios ao lado dos valores do IDEB. Resumidamente, houve uma expressiva queda na participação da avaliação das escolas no ano de 2021, devido à pandemia do Coronavírus.
No entanto, há que salientar o esforço dos municípios que tiveram mais de 50% das escolas de sua rede avaliadas. Este não é o caso de cidades como Contagem e Juiz de Fora, que tiveram as menores taxas. Nesta última cidade, somente 10 entre 110 escolas dos anos iniciais, e somente 5 entre 98 escolas dos anos finais, tiveram seus resultados publicados.
Desta forma, os índices apresentados tanto por Juiz de Fora, quanto por Contagem, podem não representar o desempenho dos alunos desses municípios. Como essa situação ocorreu em muitas outras escolas, o INEP disponibilizou uma nota técnica a respeito do assunto (que pode ser consultada aqui).
Deve-se considerar também que há uma diferença econômica estrutural na rede de ensino brasileira. Por isso, é importante identificar o nível socioeconômico das escolas.
A rede privada atende alunos com maior poder aquisitivo, que vivem em regiões com melhor infraestrutura urbana. Por outro lado, as escolas públicas atendem a maioria da população onde o Indicador de Nível Socioeconômico das Escolas de Educação Básica (INSE) é mais baixo. Por exemplo, enquanto Belo Horizonte obteve uma média de 5,1 na capital, o índice da nossa amostra foi de 3,6, extraído somente das escolas públicas. A média brasileira de 2021 foi de 5, incluindo as escolas particulares (leia mais sobre esse indicador aqui).
Embora a pandemia e a pobreza possam ser apontadas como agentes de notas tão baixas, municípios do Estado do Ceará, por exemplo, tiveram notas acima de 9, neste mesmo período. Portanto, esses fatores isolados não devem ser considerados as causas dessas notas, em especial no Ensino Fundamental II, 5º ao 9º ano. Que outras causas poderiam contribuir para esses resultados?
Justifica-se, dessa forma, acrescentar a análise da Rede de Ensino das cidades para este trabalho.
Redes de ensino
As Redes de Ensino brasileiras para o Ensino Básico estão divididas entre privada, municipal, estadual e federal. Nas 8 cidades, estas redes estão quase igualmente distribuídas, exceto pela rede federal que atende a um número insignificante do universo dos estudantes. A rede privada tem maior presença nas cidades de Belo Horizonte, Juiz de Fora e Barbacena.
Cataguases é a única cidade que possui a rede municipal maior do que a rede privada e essa proporção está mais próxima da realidade nacional (23%).
O gráfico da variação histórica do número de escolas das 8 cidades mostra que somente a rede privada de ensino teve variação nos últimos 6 anos. No entanto, ao analisar o mapa das cidades, pode-se distinguir perfeitamente que esta rede é significativamente maior em Belo Horizonte, logo, há uma variação importante entre as cidades.
Comparado aos os dados nacionais, o percentual de matrículas da rede estadual das 8 cidades está próxima da média nacional, 31,2% (INEP). A rede federal deste estudo está ligeiramente mais alta do que no Brasil, 0,8%. Já a rede privada está com presença maior do que a rede privada nacional, 19%.
Ao se observar o número de matrículas em relação às escolas, nota-se que a totalidade da rede pública é um pouco menor do que a rede privada de ensino. A maior discrepância aparece no ensino médio, cujo atendimento é feito quase totalmente pelo governo do estado. 30% dos alunos matriculados ocupam 16% dos estabelecimentos escolares estaduais, exceto Contagem, que oferece a rede municipal para essa faixa de aprendizado.
Esse dado é importante, porque o número de alunos no ensino médio deveria permanecer próximo ao número de matriculados no 9º ano. Essa diminuição no quantitativo de escolas estaduais indica uma evasão significativa.
A rede federal tem menor quantitativo de alunos, professores e escolas. Uma das explicações para isso, é devido ao nível mais alto das provas dos processos seletivos para o Ensino Médio e Técnico e nas outras concepções desta etapa do ensino, tal como o Educação de Jovens e Adultos (EJA). Mas também pode ser explicado pela municipalização do ensino fundamental a partir da Constituição de 1988, que transferiu a responsabilidade da gestão escolar e do ensino para os municípios, enquanto a rede estadual ficou por conta do ensino médio. Aumentar o acesso à rede federal é uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE).
Este dado parece sensível para a qualidade do ensino, somado às alterações ocorridas em 2017 no ensino médio impostas pelo governo federal de forma up-down.
Essa distribuição dos alunos nas redes municipal e estadual não parece ter relação com o INSE, pois as cidades de Uberlândia e Uberaba apresentam um índice de nível 5 (mais alto da amostra), mas em torno de 40% do total de alunos se encontram na rede municipal.
Salienta-se que a rede de ensino privada não está isenta desses desafios, notadamente aquelas que atendem alunos nas franjas das classes sociais menos abastadas e que, em períodos de economia em ascensão, transferem seus filhos para escolas particulares do bairro.
Embora as cidades selecionadas não apresentem desafios extremos como acontece no norte do estado, ainda assim a rede municipal recebe e acolhe a maioria da população em idade escolar. A seguir, uma breve análise dos docentes nas redes de ensino das 8 cidades.
Docentes
Os docentes impactam diretamente na qualidade do ensino segundo MOREIRA et al, 2021. Dos recursos destinados do FUNDEB, 60% são para o pagamento dos professores e ainda assim muitos entes federados não cumprem o piso nacional exigido em lei desde 2008. O Estado de Minas Gerais é um deles.
Mas os autores mostram que salários acima do mercado impactam negativamente na qualidade do ensino. Este parece ser o caso de Barbacena. Essa cidade contém a maior carga horária docente, segunda maior taxa de professores temporários, menor média salarial e possui melhor IDEB.
Ainda segundo esse artigo, deve-se levantar outras hipóteses, dada a heterogeneidade dependente dos agregados analisados por cidade. Logo, uma investigação possível sobre o impacto na qualidade do ensino seria sobre o regime trabalhista dos docentes, a carga horária e a média salarial.
No gráfico Docentes e Regime Trabalhista, observa-se que todos os municípios possuem esses profissionais com contrato temporário. Sabe-se que há diferenças nas relações de poder entre os efetivos e os temporários no dia a dia das escolas (ARIEL, GOVEIA, 2022). Juiz de Fora é a cidade que apresenta o menor número de efetivos em relação aos temporários e possui menor carga horária em relação às demais cidades analisadas. Seriam essas as causas do baixo engajamento na pesquisa do IDEB e de suas notas?
Embora a média salarial para 40h esteja relativamente alta em todas as cidades, a maioria dos professores deve trabalhar em duas ou mais redes de ensino para complementar sua renda. Deslocamento com trânsito das cidades como acontece hoje são fatores de alto estresse para qualquer trabalhador e mais ainda para professores. Este fato é tão importante que faz parte dos índices analisados pelo INEP.
A rede federal possui menor contingente de alunos, mas tem maior número de docentes efetivos e é notória a qualidade do ensino nesta rede. Não seria o caso de adotar esse modelo federal para todas as redes de ensino, inclusive a privada?
A Lei como um Ideal
Como pode-se depreender desse estudo, há muitos fatores em jogo que continuam submersos nos problemas diários das escolas, mas ainda há algo mais estrutural e que pode ser visto no PNE:
18.1 – estruturar as redes públicas de Educação Básica de modo que, até o início do terceiro ano de vigência deste PNE, 90% (noventa por cento), no mínimo, dos respectivos profissionais do magistério […] sejam ocupantes de cargos de provimento efetivo e estejam em exercício nas redes escolares a que se encontrem vinculados.
BRASIL, 2014
Nenhuma dessas cidades está cumprindo a lei. Só esse fato já aponta para uma falta de compromisso fundamental de todos os envolvidos.
Por fim, todos esses dramas não afetam somente as escolas públicas.
As escolas privadas não estão em bolhas protegidas de discursos públicos contra a classe de professores. Nem deixam de ser afetadas quando há greves de professores na rede pública. Todas as camadas da sociedade sofrem as consequências das arbitrariedades, do descaso, do desprezo da estrutura educacional, mesmo que de forma diferente.
Obviamente que isso tudo reflete em todos os índices produzidos pelo INEP.
A pandemia afetou os alunos, as famílias e os trabalhadores e ainda não parece ter sido feita uma profunda análise sobre todo o impacto na educação pela sociedade. Alunos fora de sala de aula e desinteressados, baixa qualidade do ensino, pressão sobre professores foram problemas apontados durante a pandemia, mas sempre existiram em todas as cidades.
Entendendo que o problema da quantidade de efetivos afeta sobremaneira a qualidade da educação, uma solução seria federalizar toda a carreira docente (incluindo o setor privado) e nacionalizar os concursos públicos, como acontece com o ENEM ou com a Polícia Federal, por exemplo. Não só isso, mas passar para a gestão federal a implantação dos equipamentos mínimos de uso coletivo dentro das escolas, como bibliotecas, laboratórios, acesso à internet rápida, entre outros.
Educação não é assunto para amadores. Deve ser pensada como ação de Estado que deveria ser implementada e continuada para além do tempo e visões políticas.